XLIV



Equir Maquiats era um típico homem de negócios. Activo, muito ocupado, impaciente, decidido, diplomático, sociável, astuto, atento, enfim, reunia uma série de características determinantes para o seu sucesso. Para se deslocar em trabalho, o comboio era a sua predilecção. Defendia que é confortável, seguro e fiável a nível de horários. Permitia o tratamento e resolução de diversos assuntos sem ter que se preocupar com o consumo pessoal da condução de um automóvel, algo que não apreciava. “O avião também permite isso”, argumentavam, “Mas priva-me do exercício mais pormenorizado da observação da natureza e das gentes”, respondia. Considerava-se um homem preocupado com o ambiente, o que seria verdade caso não gerisse empresas no ramo dos combustíveis e dos transportes. Contudo, era sincero no que diz respeito ao que apreciava da janela. Pouco a pouco, nos diversos trajectos que habitualmente percorria, foi integrando os fragmentos visuais dos locais por onde passava, pintando elaborados quadros na sua mente. Os vários tons de verde das imensas matas, florestas e campos, os cinzentos das rochas longíquas, os laranjas das terras argilosas e do sol, os movimentos graciosos dos cavalos de raça e o passo atrapalhado dos rebanhos, as casas caiadas que albergam vidas amarguradas, os postes de electricidade que desaparecem no horizonte, as viaturas que se multiplicam em rumos. No intervalo de uma análise de dados ou de um telefonema urgente, perdia-se a imaginar o que cada pessoa na estação desejava ou receava naquele momento, apenas baseado na forma e direcção do seu olhar. Arriscava adivinhar o aroma das flores que inundavam a beira da estrada, o riso maroto e histérico das crianças que regressavam da escola, a pele macia das turistas de vestidos coloridos, o aroma do solo e da palha logo após as primeiras gotas de chuva num dia quente. Aquele vidro duplo isolava-o dos valores reais que os sentidos lhe retornariam. Constituía, contudo, um estímulo às possibilidades, tal como nos sonhos em technicolor.
Numa certa viagem, alguém sentado uns lugares à sua frente, fixou o seu olhar em Equir. Não desviava a atenção, como se quisesse perscrutar-lhe a alma. Quanto mais evitava, mais vontade sentia de corresponder a essa estranha e intimidante contemplação. Acabou por ceder, e não tardou em sentir-se entorpecido, perdendo a consciência pouco depois. Quando a recobrou, não encontrou viv’alma na composição. Olhou para fora, mas o cenário não lhe era familiar. Logo se apercebeu que não ia chegar ao destino inicialmente previsto. A mulher e os filhos não iriam sentir a sua falta. A sua figura ausente foi a imagem que se foi instalando no ambiente lá de casa. Fechou a tampa do portátil, recostou-se na cadeira, virou a cabeça para admirar o novo percurso. Restava-lhe apenas esperar o fim daquela viagem num comboio fantasma.

2 Comments:

Blogger PUTO said...

Mas que raio de nomes...
Que fetiche esse o teu!
ABC

12/11/08 21:00  
Blogger eskimo friend said...

tens ke avisar quando é a próxima sessão para ver se compareço :p

17/11/08 20:51  

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