XXIII



No cume daquele monte, Sermin sentia-se verdadeiramente livre. Quando saía de manhã para pastar as ovelhas, sabia que essas horas de independência alimentariam o seu espírito por mais um dia. Nada lhe dava mais prazer que o ócio. Apenas tinha que desviar o olhar de vez em quando para vigiar o rebanho, mas a despreocupação instalava-se, uma vez que Gurm, o seu fiel cão, cuidava para que não houvessem dispersões. Naquele lugar singular, sentia o sol acariciar a face e sucediam-se os sussurros ao ouvido pelos quatro irmãos, Bóreas, Zéfiro, Noto e Euro. Viajava errante nos seus pensamentos e a altitude ajudava-o a perder a noção de peso. Conseguia ir a qualquer lado sem se mexer e isso preenchia-o por completo. Não necessitava de nada nem de ninguém.
Certo dia ouviu alguém chamar o seu nome ao longe. A voz foi-se aproximando. “Sermin, Sermin”, gritava. Aos poucos regressou do seu estado semi-consciente. Como alguém se atrevia a resgatá-lo do seu mundo? Finalmente avistou o seu vizinho, visivelmente ofegante. “Sermin, aconteceu algo terrível!”. “Algo mais terrível que esta intermissão?”, pensou. “Houve um incêndio… Os teus pais… como te dizer?... Padeceram… Não resistiram… Lamento imenso, rapaz.”. “Não pode ser!”, vociferou incrédulo. “Verdade. Foi horrível. Foram apanhados no mar de chamas. Lavrou-lhes os campos, a cabana e a vida.”. Um ar de consternação instalou-se e Sermin afastou-se para chorar. O vizinho tomou a sugestão e partiu. Sermin recompôs-se, deitou-se no chão e rendeu-se à sua condição de sonhador. A calma avassalou-o de tal forma que deu por si a pensar “Perfeito. Agora não preciso mais de voltar para casa.”.

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