XXVI



Enquanto criança, Dalazin não questionava o ritual da castração. Todos os rapazes da sua ala tinham esse destino. Era a tradição, algo que aparentemente justificava ou anulava as dúvidas. Este condicionamento desde tenra idade nunca o tinha feito contestar o rígido modelo social. Até ao dia em que começou a trabalhar para Nizalad. Tendo ficado viúva pouco depois do seu casamento, esta bela e jovem senhora vivia no seu abastado palacete de barro, onde geria a riqueza herdada de forma muito eficiente, por entre criações de gado, campos de tamareiras, uma tinturaria e uma olaria. Para além de todo o apurado sentido comercial, Nizalad era grandemente acariciada pelas pessoas da aldeia pela sua bondade, honestidade e sentido de justiça. Empregava a maioria das pessoas do povoado e praticava a caridade simultaneamente como obrigação moral e como investimento social. Dalazin foi destacado para criado pessoal da benfeitora, e desde logo o fascínio se encetou. Para além de todas as qualidades que se conheciam, a sua ama revelava-se extremamente doce e encantadora com quem privava da sua companhia. Como criado pessoal, partilhava da intimidade com a sua senhora, tornando-se seu confessor e, até certo ponto, seu amigo. Ouviu falar dos seus projectos, do contágio pela felicidade alheia, da forma simplista e determinada com que governava e estabelecia uma relação simbiótica e natural com os seus trabalhadores. Também pôde escutar da sua boca como a solidão lhe pesava, o quanto a saudade lhe era penosa e que o seu coração aguardava um hóspede. Este misto de encantamento e compaixão levou Dalazin a ambicionar esse lugar vago, e sabendo-o inacessível apenas fazia prolificar o seu desejo. Confundiam-se-lhe os conceitos de proibição e impossibilidade, mas progressivamente iam-se apartando, o que permitiu que uma certa lascívia germinasse.
Certo dia, estando a senhora entretida com os seus papéis, chamou Dalazin e pediu-lhe um chá. “Traz mais uma chávena”, acrescentou. “Beber um chá é como fazer amor”. “Como assim, minha senhora?”. “Partilha-se algo íntimo com alguém que se ama. Como se subtraísses o desejo carnal, restando apenas a entrega, a cumplicidade, a ternura. Não me imagino a tomar chá tranquilamente e de forma prazenteira com alguém que não ame.”. “Senhora, isso quer dizer que…”. “Sim, Dalazin. Isso que estás a pensar. Julgavas que era apenas num sentido?”. Nisto, o desejo toma conta de Dalazin e beija impetuosamente a sua senhora. Esta repele-o e adverte-o com a mesma energia. “Não te admito tal atrevimento. Porque me fizeste isso?”. “Mas senhora, eu pensei que…”. “Pois pensaste mal. Deverias ser mais prudente e ter analisado o que te confessei. Agora, esquece tudo o que te disse”. Dalazin sai, desolado e trespassado pela dor da fustração de não poder consumar o amor pela mulher cujo nome é a capicua do seu. Foi sem rumo pelo deserto, na esperança que uma tempestade de areia lhe roube esta vida sem sentido.

1 Comments:

Blogger extravaganza said...

Estás a revelar-te um belíssimo contador de histórias, qual Scheherazade (ou Sherazade), versão masculina, da era moderna...

6/6/07 15:53  

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