XXXI



Na solidão do seu escritório, quando já todos tinham regressado às suas casas, Timoc mergulhava num mundo virtual, uma “second life” sem grandes enredos nem artifícios. Acedia a chats, fóruns, blogs e sites de partilha, assumindo-se como outra pessoa, gozando da liberdade inconsequente e protegendo-se com o escudo do anonimato. Conhecia imensa gente, o que contrastava com a sua parca sociabilidade. Aqui não se sentia espartilhado, as regras eram moldáveis ou imperceptíveis. Podia facilmente enganar alguém sem o confronto dos olhos nos olhos e sem o remorso. Quando alguma questão moral se lhe levantava, rebatia tudo com o argumento da reciprocidade, convencido que todos estariam nesse subterfúgio sob as mesmas intenções e entendimentos, como se de um convénio secreto se tratasse. Assim sendo, as relações eram superficiais, breves, jocosas e descartáveis. Chegou a manter algumas com alguma persistência e sedução, mas apenas para a ruptura ter mais impacto. Normalmente eram mais numerosas as suas investidas cruéis e os jogos ardilosos por si controlados que os danos infligidos por outros. Era meticuloso o suficiente para despistar quaisquer desconfianças sobre pormenores e dados da sua vida real. A sua falsa persona era magnética o suficiente para atrair pessoas de todos os sexos, credos, línguas e convicções. Nem sempre o conseguia, mas a sua taxa de sucesso era notável. Por isso sentia sempre esse prazer pérfido, que se renovava todas as noites, muitas vezes pela madrugada adentro, dormindo apenas poucas horas no sofá do gabinete.
Certo dia foi abordado por um colega do departamento de informática. Queria falar-lhe sobre a gestão de conteúdos dos seus trabalhos nocturnos. Salientou-lhe o facto dos softwares utilizados e endereços constantes na lista não serem os convencionados nas rotinas.
- Sabe, isto não é uma advertência, é mais uma constatação.
- Como assim? – inquiriu Timoc, intrigado.
- Eu próprio utilizo os mesmos recursos. Pode-se mesmo dizer que vivo em dois mundos.
- A sério? Até que ponto?
- Não se faça de despercebido. Sou algo experiente neste campo e até lhe adianto que travou conhecimento comigo várias vezes. Apenas precisei de alguns cruzamentos e deduções para confirmar que se tratava de si.
- Não sei do que fala – disfarçou, engolindo em seco.
- Apesar dos ludíbrios que me dirigiu, não o censuro. Até o admiro.
- Admira? – perguntou timidamente e com tom de surpresa, pois tudo isto soava a novo nesta realidade tangível, onde se sentia completamente desarmado.
- Sim. Eu próprio actuo e planeio de forma semelhante. Até me atrevo a propor-lhe algo inusitado. Que tal se nos aliássemos nessas incursões?
A ideia pareceu-lhe um pouco despropositada, mas a possibilidade de partilhar algo com alguém com as mesmas pretensões tinha algo de atraente. O medo inicial deu lugar à excitação do risco.
- Porque não?
A partir desse dia encontravam-se com frequência nessa dimensão alternativa, onde tudo era possível e permitido, e uniam esforços para obter satisfações e proventos acrescidos. Isso fez crescer dentro deles um desejo mútuo, não sei se voluptuoso se platónico, que nunca se viria a consumar neste plano.

1 Comments:

Blogger Joana Amoêdo said...

Esta fotografia é linda. E pormenor da chupeta:-)

8/1/08 16:31  

Post a Comment

Subscribe to Post Comments [Atom]

<< Home