XXXII



Da minha janela observo muitas coisas. À noite, vejo o vizinho embriagado a bater na mulher e, de manhã, esta a colocar pequenas quantidades de soda cáustica no café. Os miúdos brincam na rua, maltratam os cães e ajudam os progenitores com as compras e com a lida do comércio. As velhotas gémeas tratam dos gatos, alimentam os cães, rezam e vão à missa todos os dias, como se isso pudesse apagar os seus passados recheados de mentiras e maldades. Os gatos, por sua vez, atacam as pombas que corroem as arcadas e roubam os peixes expostos nas bancadas. Os vendedores inflaccionam preços como se de taxa de conversa ou atenção se tratasse. As raparigas provocam os rapazes e estes respondem com piropos desajeitados, contrariando as leis da atracção de umas e fermentando os desejos ligeiramente perversos de outras. A janela aberta para este mundo apenas me provoca um calafrio na raiz do cabelo. Para já não há sensação nem juízo. Apenas observação e registo. O torpor, depois de se apoderar do corpo, alojou-se na minha mente.

1 Comments:

Blogger PauloG said...

Não gosto desses miudos que maltratam... não gosto da embriaguez e maldade...

Gosto dos ataques e roubos fortuitos... das inflacções, das provocações e da ligeira preversidade das outras...

Aiiiiiii... DETESTO O TORPOR!!!!!

27/12/07 11:49  

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