XXXVIII



Evero era um rapaz completamente obcecado com o peso. Tudo isto partiu de uma resolução em perder o excesso de peso e estabilizá-lo na marca dos 65 quilogramas. O que no início se aparentava com uma simples dieta culminou num regime extremamente regrado e controlado. Assim que atingiu o peso pretendido, permitia-se uma tolerância máxima de 200 gramas. Isto tinha como consequência comportamentos bizarros, como seja comer ou beber enquanto satisfazia as suas necessidades fisiológicas de forma a compensar a perda de massa e assim não ultrapassar os limites auto-impostos. Com o passar do tempo, reduziu a tolerância e estendeu as regras a todas as suas acções. Contabilizava calorias queimadas, suores excretados, pêlos e peles perdidas no ciclo natural, lágrimas vertidas, unhas cortadas, saliva adicionada ou subtraída em momentos de luxúria, esperma desperdiçado, sangue derramado e demais mucos segregados. Começou a trabalhar a partir de casa, pois fora desta espreitava o descontrolo. Esta conduta intrigava cada vez mais Verwa, a única amiga que o visitava com alguma regularidade. Avisava-o que estava a perder a sanidade mental e que isso conduziria a uma vida solitária, sem sentido, mergulhada neste remoinho obsessivo-compulsivo. O amor não declarado que ambos sentiam levou a uma tomada de consciência por parte de Evero e a uma necessidade de expressão por parte de Verwa. Uma flecha atravessou o cérebro dele, apercebendo-se do mal infligido a si próprio e ao objecto da sua profunda afeição. A um pedido sincero seguiram-se um pranto convulsivo, um abraço, um olhar, um beijo, uma carícia, um desejo. Fizeram amor, renasceram, reforçaram-se. Ali na cama, no conforto dos corpos, onde o descanso sucede ao amor, tomaram decisões, apontaram resoluções e planearam o futuro radioso. Evero levanta-se num ápice, possuído pela alegria e consumido pela fome. "Vou buscar algo para comermos. Volto já.", disse, com um sorriso espelhado. Desce as escadas, escorrega, cai, parte o pescoço no lancil e fica imobilizado. Verwa desce alarmada e segura-o, enquanto os sopros se esgotam. "Não pode ser! Quão injusta pode ser esta vida?", lamentava a rapariga. "Pelo menos acabámos com a opacidade. Quando for apropriado, transfere os nossos planos para outra pessoa. Faz isso por mim.", consolou Evero, antes da derradeira contracção do diafragma. Com o seu amado inerte nos braços, Verwa chorou 21 gramas.

5 Comments:

Blogger Luís Galego said...

Extraordinário texto...consegui rir e até me preocupar com o Evero!

30/5/08 18:09  
Blogger Will said...

Gostei. Muito mesmo!

30/5/08 18:31  
Blogger Contabilista Emocional said...

Obrigado pelas palavras de incentivo.

2/6/08 11:14  
Blogger Joana Amoêdo said...

This comment has been removed by the author.

8/7/08 14:26  
Blogger Joana Amoêdo said...

Tenho uma pergunta: onde vais buscar os nomes das personagens?

8/7/08 14:26  

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